"Muitos atletas usam EPO em Portugal e noutros países"
"Temo que nos próximos anos atletas percam a vida por terem utilizado EPO", afirmou o presidente da ADoP em entrevista à Antena 1, depois de detalhar os efeitos secundários do uso desta hormona (ver texto relacionado para mais detalhes). Questionado sobre se tem esse receio por ter conhecimento ou suspeitas de que há atletas a usarem EPO com muita frequência, Luís Horta respondeu: "Como é lógico nós temos essa informação. O passaporte biológico vai ser muito importante para nós tentarmos dissuadir esses atletas. Pela informação que tenho, na realidade em Portugal e noutros países há muitos atletas a usarem ainda esse tipo de substâncias. Como médico, isso preocupa-me de sobre-maneira."
O assunto da EPO saltou para a mesa devido aos controlos realizado à selecção nacional e equipas de outros países, pela FIFA (Federação Internacional de Futebol), antes do Mundial de futebol do ano passado, que Horta considera terem sido inadequados. Daí que, mesmo sem haver suspeitas sobre qualquer jogador, optou-se por fazer os testes à selecção ainda durante o estágio na Covilhã, os mesmos que estiveram na origem da polémica com o treinador, Carlos Queiroz.
"A ADoP usa uma estratégia de prevenção com todas as selecções que vão representar Portugal ao mais alto nível, quer sejam desportos individuais ou desportos colectivos. Somos um país que felizmente não tem tido casos positivos de atletas portugueses que representam Portugal ao mais alto nível. Isso é muito bom, mas já tivemos problemas no passado, como um caso positivo quena selecção nacional antes do Mundial da Coreia do do Japão [Daniel Kenedy] e que fez com que esse jogador não participasse na competição. A estratégia que delineamos para a selecção nacional de futebol foi a mesma que sempre seguimos nos últimos anos", afirmou Horta, adiantando que já suspeitava que a FIFA ia fazer os seus controlos "muito em cima do Mundial, que não é a estratégia mais adequada".
O responsável máximo pelo combate ao doping em Portugal explicou porquê a estratégia da FIFA era errada, recorrendo ao exemplo da EPO, hormona que "aumenta o número de glóbulos vermelhos e a capacidade de o organismo transportar oxigénio". "Um glóbulo tem uma vida de 120 dias, o que quer dizer que uma administração que se faz hoje vai perdurar por quatro meses. A mesma coisa pode acontecer com um esteróide anabolizante. A janela de detecção da EPO e de outras substâncias é muito curta, o que quer dizer que um atleta que administre hoje muito provavelmente passadas 24 ou 48 horas não vai ser possível detectarmos. Realizar controlos sem aviso prévio nos meses que antecedem essa competição é fundamental."
O atletismo tem sido uma das modalidades mais afectadas por casos de EPO. Questionado sobre se "mete as mãos no fogo pelos resultados conseguidos [pelos portugueses] nos Europeus de pista coberta", Luís Horta não respondeu directamente; explicou apenas como actua a ADoP perante indícios suspeitos: "Está descrito nas normas da própria Agência Mundial Antidopagem de que temos de estar atentos a uma série de sinais, como um aumento súbito do rendimento desportivo ou alterações súbitas do tipo morfológico do atleta. Há uma série de factores que têm sido levados em atenção."
O presidente da ADoP não colocou em causa os resultados dos atletas portugueses. Mas voltou a mostrar-se preocupado pela ida de desportistas lusos para países com mais problemas de dopagem, como o Brasil e Espanha: "O que me preocupa são as razões que são invocadas para eles irem para esses países. Outro exemplo: porque é que há atletas que por vezes vão estagiar para o Quénia dizendo que têm lá óptimas condições de treino?", perguntou, explicando que esteve naquele país africano de visita a "essas instalações" e não encontrou "condições ideais" para o tipo de treino invocado.
Luís Horta diz que continua a ter crença na verdade desportiva, tal como já acreditava nos 23 anos em que foi atleta, e de que o desporto "tem de continuar a ser uma escola de virtudes", para a qual a ADoP terá de dar o seu contributo. O também professor universitário afasta a ideia de que todos os desempenhos desportivos extraordinários sejam obtidos graças ao doping: "Penso que nem sempre é assim. As pressões da sociedade são cada vez maiores e os atletas vivem-nas, mas quero acreditar que é possível estar-se ao mais alto nível evitando todas estas situações. Hoje em dia também há novas tecnologias que podem ser utilizadas para aumentar o rendimento desportivo de uma forma lícita. Venho do atletismo, de uma modalidade que na altura tinha na altura sem duvida a melhor equipa do mundo, de corredores de crosse, de 10000 metros e maratona ,e posso-lhe dizer que conseguimos isso sem qualquer tipo de substâncias", assegurou.
A polémica sobre a sanção de seis meses de suspensão imposta pela ADoP ao ex-seleccionador de futebol, Carlos Queiroz, por perturbação de um controlo antidopagem, também marcou presença na entrevista. Luís Horta não quis comentar queixa-crime apresentada por Queiroz contra o presidente da ADoP, o secretário de Estado do Desporto, Laurentino Dias, o instrutor do processo e os médicos que levaram a cabo o controlo, por alegados indícios de fraude processual. Mas o homem que tem tido cargos regulares nos organismos internacionais do combate ao doping garantiu que a ADoP "sempre pauta a sua actuação com a maior transparência e lisura em todos os procedimentos realizados".
Horta terminou a entrevista apelando aos atletas que vão aos Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Londres 2012 para que "façam o seu melhor, treinem o melhor que puderem", mas usando apenas métodos lícitos. "Nunca tive o prazer de subir a um pódio olímpico, mas se tivesse teria uma dupla alegria, de subir ao pódio sabendo que não tinha usado dopagem", vincou.